Outro dia assisti na TV, no programa de
Ana Maria Braga, uma reportagem sobre esse assunto e, pelos depoimentos das
pessoas, percebi o quanto os seres humanos estão carentes de serem escutados de
forma realmente efetiva. Esse fato me lembrou de um amigo que há muito tempo me
confessou que um dia estava tão desesperado e por não ter com quem conversar começou
a falar com as paredes. Isso é triste... muito triste.
Nesses depoimentos as pessoas diziam que
adoram ir ao salão de beleza, pois lá elas podem falar o que estava em sua alma
e sobre diversos assuntos por que tinham quem as escutassem; uma senhora motorista
de táxi tinha clientes cativos porque ela os ouvia... e assim por diante com
vários outros exemplos.
Fico pensando por que será que isso
acontece? Por que será que a humanidade não tem tempo para o outro? Se somos
tão carentes será que isso não seria razão para perceber que o outro também o
é?
Saber escutar é um dom... e quando digo
saber escutar não é fazer de conta que está ouvindo. É ir muito além da
audição. A pessoa está nos contando algo importante e muitas vezes o nosso
pensamento está em outro lugar, em outra pessoa, em outro fato. Outras vezes
menosprezamos ou banalizamos aquilo que estão nos falando. Outras vezes alguém nos
conta um problema que o deixou amargurado e nós dizemos: por causa disso que você
está chorando, que besteira?
Escutar
é estar presente por inteiro, é mostrar interesse, é estar com a alma
disponível e aberta para o outro que é o nosso próximo.
Fico me interrogando? Por que temos
tanta dificuldade em ouvir? Por que temos dificuldade em captar e compreender o
que o outro quer nos passar com a sua fala? E quando digo compreender me refiro
não apenas ao significado das palavras e sim ao que elas realmente querem nos
dizer, quais os apelos, quais os sentimentos, quais as alegrias ou as dores que
estão nos passando? O que uma alma está querendo passar para a outra alma? Para
isso, penso que é importante nos desapegarmos dos nossos conceitos, dos nossos
paradigmas, dos nossos preconceitos, para que possamos ouvir sem julgar, sem
criticar, sem tirar a devida importância do que o outro está nos passando.
Assim, saber ouvir é um dom e é uma arte
que nos traz grandes ganhos, aprendizados e grandes experiências. Tudo isso que
estou falando me remete a essa estória que ouvi um certo dia e que fala de
ouvir o inaudível...
“Um rei mandou seu filho estudar no templo de
um grande mestre, com o objetivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa.
Quando o príncipe chegou ao templo, o mestre o mandou sozinho para uma
floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a tarefa de descrever
todos os sons da floresta.
Quando o
príncipe retornou ao templo, após um ano, o mestre lhe pediu para descrever
todos os sons que conseguira ouvir. Então disse o príncipe: "Mestre, pude
ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço dos beija-flores,
a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas, o barulho do vento
cortando os céus..."
E ao terminar
o seu relato, o mestre pediu que o príncipe retornasse à floresta, para ouvir
tudo o mais que fosse possível. Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu a
ordem do mestre, pensando: "Não entendo, eu já distingui todos os sons da
floresta..."
Por dias e
noites ficou sozinho ouvindo, ouvindo, ouvindo... mas não conseguiu distinguir
nada de novo além daquilo que havia dito ao mestre. Porém, certa manhã, começou
a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes. E quanto mais
prestava atenção, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento
tomou conta do rapaz. Pensou: "Esses devem ser os sons que o mestre queria
que eu ouvisse..." E sem pressa, ficou ali ouvindo e ouvindo,
pacientemente. Queria ter certeza de que estava no caminho certo.
Quando
retornou ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais conseguira ouvir.
Paciente e respeitosamente o príncipe disse: "Mestre, quando prestei
atenção pude ouvir o inaudível som das flores se abrindo, o som do sol nascendo
e aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da noite... O mestre sorrindo,
acenou com a cabeça em sinal de aprovação, e disse: Ouvir o inaudível é ter a
calma necessária para se tornar uma grande pessoa. Agora, você já está apto a
ser um rei!!!
Apenas quando
se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, seus medos
não confessados e suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança
ao seu redor; entender o que está errado e atender às reais necessidades de
cada um." É preciso, portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o lado
não mensurado, mas que tem o seu valor, pois é o lado mais importante do ser
humano... Quantas vezes deixamos de ouvir até o que 'berra' o nosso próprio
coração...” (anônimo)
Concluindo essas minha elucubrações sobre o assunto, fica a
sugestão para que ao ouvir o outro possamos entrar em contato com a sua
essência mais intima, que possamos colocar nossa audição e, sobretudo, nosso
coração e nossa alma em contato com o coração e com a alma do outro, por meio
da escuta ativa, solidária, compreensiva e amorosa. Isso é um aprendizado
diário e se realmente quisermos e estivermos estimulados para que isso
aconteça, logo faremos parte daquele seleto grupo de ser humano que tem o dom e
a arte de saber ouvir.